Há muito tempo foi dito que as abelhas eram as criaturas mais misteriosas e mágicas. Quantas reflexões e observações não devem ter precedido esta afirmação! Será que ela é procedente? Qual o mistério e a magia que elas possuem? Apesar de seus temidos ferrões o homem tem trabalhado ao longo de sua história para domesticá-las e usufruir de suas produções. Antes da eletricidade, antes do álcool e antes do açúcar, as velas iluminaram a escuridão, o hidromel respondia pela embriaguez e o mel pela doçura. Nos idos tempos em que a vida era muito mais difícil e amarga que nos dias atuais em que temos tantos confortos e comodidades, se podemos pagar, as abelhas amenizavam a vida humana. Será que estes eram o mistério e a magia? Tornarem a vida mais leve? Ou será que há segredos não desvelados que ainda não descobrimos, ou que estamos por descobrir?
Em 1993 um escritor, hoje guru famoso da auto ajuda, Deepak Chopra, publicou um livro em Nova Iorque intitulado The Quantum Alternative to Growing Old (em português: Corpo sem Idade, Mente sem Fronteiras) onde fez referência, no final, a uma descoberta científica que deixou os pesquisadores atônitos. A descoberta foi de que as abelhas velhas tinham a capacidade de reverter o processo biológico do envelhecimento e voltarem a ser jovens. E isto não é metafórico, é literal: as abelhas não têm as preocupações humanas de se sentirem ou de parecerem mais jovens, de racionalizarem que o que importa é o sentir-se jovem, “ser jovem em espírito”. Não, abelhas, talvez por não terem espírito, ou são jovens ou não são, ponto! Por que os pesquisadores ficaram atônitos? Qual o segredo que se desvelava aos seus olhos? O pesquisador referido por Chopra foi Gene Robinson, da Universidade de Illinois. Já o dito acima, do mistério e da magia foi referido por Eva Crane, uma especialista em abelhas, assim como Robinson. Mas cada um debruçado em dimensões diferentes: Robinson no laboratório com as abelhas e seus genes, e Crane no campo com as abelhas e seu mel. Trabalhos diferentes, rotinas diferentes, cabeças diferentes, percepções diferentes e descobertas ... semelhantes! Robinson descobriu que para as abelhas o processo biológico do envelhecimento, tido pela ciência até então e ainda hoje como universalmente irreversível, comportava uma exceção, e eram justamente as abelhas que possuíam este privilégio, eram elas as donas do sonho mais acalentado pelos humanos desde tempos imemoriais. Elas tinham acesso à Fonte da Juventude. E quanto à descoberta de Crane? Ela descobriu, e analisei esta descoberta em “O Mistério das Abelhas” (Desenvelhecimento, págs. 140-151), que as idades (biológicas) das abelhas eram altamente flexíveis em condições anormais da colméia, e percebeu que a flexibilidade estava associada aos vários padrões de comportamento da abelha. Só faltou a Eva Crane ficar atônita, como os pesquisadores referidos, e dizer que tinha descoberto que as abelhas revertiam o envelhecimento. Não disse, porém houve a percepção e ela a registrou, do seu modo, mas registrou. Ela viu ali, o mistério e a magia que o homem antigo percebeu logo no início de sua convivência com as abelhas. E isso antes do pessoal de Illinois.
Em 26 de outubro de 2006 a revista Nature publicou o sequenciamento do genoma da abelha Appis mellifera. Juntamente foram publicados os principais achados sobre genes e processos biológicos que participam da expressão dos padrões de comportamento. O trabalho foi assinado por um consórcio de 170 pesquisadores envolvendo 64 instituições de pesquisa em 15 países, entre os quais o Brasil, que participou através do Laboratório de Biologia do Desenvolvimento de Abelhas (LBDA) da Universidade de São Paulo, localizado em Ribeirão Preto. Este grupo de pesquisa estuda as abelhas há mais de duas décadas e ficou encarregado, no projeto, de pesquisar os genes envolvidos nos processos endócrinos e moleculares da diferenciação de castas e reprodução em abelhas, tendo identificado genes que se expressam diferencialmente nas rainhas e nas operárias (Alexandre S. Cristino em Scientific American Brasil número 55, dezembro de 2006, pág.22). Já se sabia que a carga genética das abelhas operárias e da rainha é idêntica, seus genes são exatamente iguais. Genes iguais causando diferenças do porte das existentes entre a abelha rainha e as operárias. A rainha é fértil e maior e se reproduz, as operárias não, embora não sejam estéreis como se pensava antes. A rainha, ainda, também analisei esta questão (Desenvelhecimento, págs. 224-227) vive até 6 anos, enquanto as operárias vivem de 30 dias até 7 meses. Faça as contas entre o tempo de vida da rainha (em dias: 6 anos é igual a 2190 dias) e o máximo das operárias (em dias: 7 meses é igual a 210 dias). Divida 2190 por 210 e veja o resultado: 10,42, isto é, a rainha tem uma longevidade 10,42 vezes maior que o máximo das operárias, “apenas” em função da expressão dos genes, já que os seus genes são iguais. Onde está o mistério e a magia da rainha, que com os mesmos genes cresce mais, torna-se extremamente fértil e se reproduz e vive dez vezes mais que o máximo das operárias? E onde está o mistério e a magia das operárias que revertem o envelhecimento biológico?
A conclusão do Projeto Genoma em 2003 com os novos conhecimentos que trouxe, mais as pesquisas que já vinham sendo desenvolvidas desde o final do século passado, abriu caminhos para o recente lançamento do Projeto Epigenoma Humano, que visa dar continuidade ao entendimento do Genoma. Este empreendimento destina-se a compreender os processos e mecanismos moleculares que atuam na expressão gênica (epi = sobre; ação sobre os genes). É justamente o que temos nas abelhas, os genes são iguais, mas a expressão deles é diferente, logo, há fatores epigenéticos em jogo, e é aqui que está seu mistério e magia. Pesquisas já realizadas em ratos mostraram que alimentação e estilo de vida (comportamento) atuam na expressão gênica. Estudos e pesquisas com pessoas também revelaram a importância das questões alimentares e de estilo de vida para a saúde e longevidade. E isto nos acena com a possibilidade de que nossos pensamentos possam atuar na própria expressão gênica, isto é, se constituírem em fatores epigenéticos, já que nosso comportamento é conseqüência daquilo em que pensamos e acreditamos. Se aquilo em que se pensa e se acredita está dentro de níveis de normalidade funcional temos a imensa diversidade humana: da mesma forma que não há duas impressões digitais iguais, também não há duas pessoas iguais em termos psicológicos e comportamentais. Quando aquilo em que se pensa e acredita ocorre em níveis disfuncionais, por razões genéticas ou epigenéticas, temos os transtornos ditos mentais ou de comportamento.
Pois bem, o sequenciamento do genoma das abelhas mostrou que existe semelhanças entre o genoma das abelhas e o humano, muito maior que as existentes entre os genes das abelhas e outros insetos, e que entre estas semelhanças está a que se refere aos processos moleculares que influenciam o envelhecimento. Isto é, há similaridades entre os mecanismos moleculares do envelhecimento das abelhas e do homem. Portanto, o mistério e a magia das abelhas encontra paralelos, em níveis moleculares, além de em níveis comportamentais como mostrei em Desenvelhecimento, com o homem. Será que é muito difícil inferir que o mistério e a magia das abelhas na questão da longevidade e da reversão do envelhecimento pode também estar presente na raça humana? Recentemente a mídia noticiou um trabalho publicado na revista Genome Research em que cientistas norte americanos identificaram genes em um fungo e num verme que se associam com o envelhecimento, sendo que o homem possui versões semelhantes destes genes. A grande pergunta que paira no céu acadêmico é será que basta descobrir os genes? E a epigênese como é que fica, se é dependente de fatores tão individuais e variáveis como a alimentação e o estilo de vida? Ou ainda, há semelhanças comportamentais entre os fungos e vermes em relação aos humanos, como há entre as abelhas e o homem?
Em dezembro de 1999, em Desenvelhecimento, quando analisei o mistério das abelhas (reversão do envelhecimento) e o mistério da rainha (aumento extraordinário da longevidade), estabeleci paralelos cujas bases procurei deixar bem fundamentadas e desenvolvidas ao longo do trabalho, entre o comportamento humano e o comportamento das abelhas, sem descuidar de fazer uma articulação com a questão alimentar, já então bastante presente nos estudos da época, e que neste novo século estão se manifestando de uma forma bastante eloqüente e preocupante. Aquele estudo de final de século e suas conclusões estão sendo confirmados pelos desenvolvimentos científicos de ponta deste novo século: humanos e abelhas tem um patrimônio genético semelhante. Se a extrapolação para nós humanos for válida em todos os aspectos, o máximo da longevidade das abelhas operárias, 7 meses, equivalerá aproximadamente ao considerado máximo para humanos, que é 120 anos. Este máximo aplicado ao fator de multiplicação que a rainha consegue, 10 (dez), nos dá a possibilidade de aumentarmos nossa longevidade para 1200 anos! Mas, não poderá ser que, como humanos, sejamos superiores? Talvez o estudo dos genes das abelhas seja mais promissor que o dos fungos e vermes. Tudo indica que o mistério e a magia das abelhas farão parte do seu futuro!
Autor: Leocádio Celso Gonçalves
Fonte: http://www.mandras.com.br