Alimentação sempre foi um assunto de interesse universal. Desde tempos imemoriais esteve associada à sobrevivência e ao prazer. Em tempos mais recentes tem sido cada vez mais enfatizado seu aspecto prazeiroso, chegando os mais privilegiados a pagarem verdadeiras fortunas por acréscimos requintados ao sabor, propiciador do prazer. Desenvolveu-se a gastronomia e a nutrição, esta apesar de sua maior importância em termos vitais, sendo colocada cada vez mais a serviço daquela. Durante o século passado e nas últimas décadas de uma forma mais acelerada e até agressiva, o sabor e o prazer da degustação passaram a ser investidos de um valor comercial desproporcional, comparativamente ao valor veicular de vida que sempre esteve inerentemente associado ao alimento.
A tal ponto chegamos que o homem moderno tem uma grande incapacidade de lidar com o alimento de forma saudável, privilegiando sempre e cada vez mais a satisfação hedonística (do prazer), mesmo pagando um preço altíssimo, representado pelas epidemias das doenças modernas, entre as quais a mais visível é a epidemia de obesidade que preocupa as autoridades sanitárias de diversos países desenvolvidos e começa a preocupar as brasileiras.
Num sentido mais corriqueiro tende-se a pensar que os alimentos são apenas substâncias ingeridas via oral para se manter a vida, tanto que se uma pessoa não consegue ingerir nada os médicos fazem a chamada alimentação parenteral. Todos sabem que o alimento precisa ser ingerido pelo organismo e processado. Neste processamento o que não for útil será eliminado, ou, se não for possível a eliminação, acumulado. Num sentido mais amplo, alargando nosso raciocínio, podemos dizer que tudo aquilo de que um organismo precisa para sua subsistência consiste em seu alimento. Portanto, neste sentido ampliado, quais são os alimentos do homem? Do que mais o homem precisa para viver? Normalmente a sobrevivência é associada à alimentação, não porque esta é mais importante, mas porque para adquiri-la é necessário um trabalho direcionado e intencional e dependendo do contexto pode até ser um trabalho difícil ou muito difícil – e também pelo prazer e interação humana associados. Além disso, a mídia, em benefício do lucro comercial – senhor do capitalismo – enfatiza e amplia desmesuradamente o prazer. Mas, não será o sono também um alimento? Alguém pode viver sem dormir? O sono é necessário para a sobrevivência até mais que a alimentação, basta comparar: quanto tempo uma pessoa pode ficar sem comer, e quanto tempo sem dormir? E quanto à respiração? Alguém duvida que o oxigênio seja um alimento mais importante que o sono e os alimentos convencionais? Se duvidar é só tentar ficar 3 minutos sem respirar!
E quanto à luz, pode alguém duvidar de que seja também um alimento? Aqui talvez muitos vão dar uma franzida de cenho e pensar que devo estar exagerando, afinal a idéia de a luz ser alimento pode soar, pelo menos a princípio, como muito estranha. Mas pensemos um pouco, afinal pensar faz bem. O que buscamos nos alimentos que ingerimos senão a energia que os vegetais ou os animais já armazenaram em seus tecidos e que são provenientes da luz solar, que é utilizada no processo de fotossíntese? Não é a luz o alimento por excelência que mantém todas as formas de vida do planeta? É fácil compreender porque não pensamos na luz como um alimento: ela nunca faltou, sempre esteve aí em abundância, e àquilo que é abundante não se dá o devido valor. Agora o alimento digerível se faltar durante um dia você já reclama. Se não puder dormir uma ou duas noites também reclama! Mas se não puder respirar durante um minuto, aí em vez de reclamar você já começa a entrar em desespero!! Moral da história: damos valor àquilo de que sentimos falta. Nosso processo interno de valorizar algo é pela falta. Até o dinheiro, símbolo de poder por excelência, algumas vezes não encontramos pessoas que se dizem desapegadas e desenvolvidas espiritualmente e que portanto não dão valor ao dinheiro? Não dão valor, de fato, até que ele falte! A luz, o oxigênio e o sono nos são brindados pela natureza, por isso não os valorizamos devidamente. Mas estamos conseguindo, graças ao nosso estilo de vida moderno, criar situações em que o sono, ou pelo menos o sono natural e de qualidade já começa a faltar para muitas pessoas, que já não o tendo naturalmente, na quantidade e qualidade necessárias, precisam recorrer às pílulas da farmácia. Até o ar, portador do oxigênio já começa a ficar um pouco escasso, ou pelo menos contaminado, em grandes centros produtores de poluição. E a luz? O que dizer dos buracos na camada de ozônio, embora suas causas ainda sejam controversas, que interferem na qualidade dos raios de luz que nos chegam?
Será que esgotamos a lista dos alimentos humanos? Você já viu um ser humano viver sozinho? Ah! Você dirá! Aqui é diferente! Há pessoas que fazem questão de viver sozinhas! Que se isolam de propósito! Um monge num retiro, um mestre espiritual numa caverna distante no Tibete ou num deserto. Aqui não faltam exemplos! Ou não serão apenas aparências? Um monge está isolado de fato? Ou está inserido em um contexto social onde há outros monges também isolados ou participando de um objetivo comum grupal? Se está isolado é definitivo ou temporário? O mestre espiritual está realmente isolado? Ou este isolamento faz parte de um contexto cultural e evolutivo para melhor poder se relacionar com seus discípulos e passar a sabedoria? Ou para se preparar ou receber instruções para agregar grupos humanos? Ou não se trata de um contexto de relacionamento com esferas de vida mais evoluídas? Que tipos de isolamentos são estes, já que sempre é mantida uma relação com outros, na própria esfera terrena ou não, mas sempre, nalgum lugar, há um outro participante? Colocando de outra forma, o que seria dos mestres sem os discípulos? Não, por mais que você force, não poderá, jamais, isolar um ser humano. A sua essência é gregária, é grupal e está na sua origem: são necessários dois para gerar um. Temos então aqui outro alimento, a companhia de outros seres humanos, também não valorizado porque nunca falta; podemos até nos dar ao luxo de matar nossos semelhantes, e até mesmo tentar exterminá-los ou deixá-los à míngua, quando pertencentes a grupos diferentes do nosso – quando são os outros – é claro. Disto não faltam exemplos, nem históricos nem contemporâneos. Quantos sabores e dissabores não rolam nas águas do alimento que constitui a companhia de nossos iguais – talvez estejam aqui os ingredientes básicos, amor e ódio, que têm temperado (ou destemperado) a vida humana desde a sua criação!
Podemos encontrar mais algum alimento para o homem? Você já viu um ser humano não ter nenhuma crença? Eu nunca vi. Claro que existem aqueles que se dizem descrentes, materialistas ou ateus. Isto é conseqüência, tão somente, de falta de conhecimento, ou de imprecisão na expressão, que leva ao uso dos vocábulos de forma impensada e equivocada. Vejamos. O que é uma crença? É o ato ou efeito de crer, sendo a fé religiosa apenas um de seus significados. E o que é crer? É acreditar em, ter confiança em algo. Assim, o materialista ou o ateu que acreditam somente naquilo que a razão, ou a ciência, explicam, estão tendo uma crença, a crença na ciência ou na razão ou naquilo que conseguem ver e entender. Mas sempre uma crença. Desta forma o religioso acredita em seu Deus, o materialista acredita na ciência e em suas demonstrações, o ateu acredita que Deus não existe. Todos somos CRENTES, em algo, é este algo que difere. É realmente impossível não ter nenhuma crença, e isso simplesmente porque acreditar se equaciona com pensar, que se equaciona com capacidade de formar conceitos, e uma vez que estamos no mundo e existimos temos que ter um conceito de mundo e de nós próprios, seja qual for. Capacidade de pensar é intrínseco do ser humano. Só os animais, até onde pensamos ou sabemos – ou cremos – não pensam, pelo menos não da mesma forma que nós. Conclusão: se nossa condição de humanos é pensar, se não podemos existir como humanos sem pensar, se pensar se equaciona com acreditar e crer, então a crença se constitui em nosso alimento. Que tal parar um pouco para pensar em como você está, de fato, se alimentando?
Temos então identificados os alimentos do homem: 1. Nutrientes alimentares; 2. Sono; 3. Oxigênio; 4. Luz; 5. Companhia de semelhantes e 6. Crença. Mas atenção: esta ordem não é por importância, isto veremos em outra matéria.
Enfim, o que pretendo demonstrar e quero enfatizar é que a questão alimentar, se bem compreendida e contextualizada é extremamente complexa, e é esta complexidade que incide desde os mais variados ângulos e dimensões na questão do envelhecimento e portanto, incidirá também, no desenvelhecer.
Autor: Leocádio Celso Gonçalves
Fonte: http://www.mandras.com.br