Este volume está em fase final de acabamento e terá seu início (Capítulo I) disponibilizado neste site. O lançamento deste volume estava previsto inicialmente, para até o final de 2011. Por absoluta falta de tempo não foi possível. Prefiro não me comprometer marcando nova data. Mas com certeza tão logo tenha condições, providenciarei o que falta, que são alguns ajustes teóricos e o acabamento final. Agradeço pela compreensão.
Disponibilizo, por enquanto, o prefácio deste volume, abaixo:
A CABEÇA FALANTE
Imaginemos um homem, ao qual vamos dar o nome de Jota Silva, e o coloquemos numa situação, hipotética, em que possamos entrevistá-lo em circunstâncias de pesquisa singulares, ideais para nossos propósitos. Primeiramente façamos a ele a pergunta: quem é você? Ele nos responderá: “sou Jota Silva”. Agora, o inusitado: tiremos um membro dele, um braço ou uma perna, e repitamos a pergunta. Podemos esperar a mesma resposta: “eu sou Jota Silva”. Prossigamos nossa estranha pesquisa: tiremos os dois braços ou as duas pernas e repitamos a pergunta; podemos esperar de novo a já conhecida resposta: “eu sou Jota Silva”. Se tirarmos a metade de seu corpo e insistirmos na pergunta, poderemos continuar esperando igual resposta: “eu sou Jota Silva”. Mesmo tirando todo seu corpo do pescoço para baixo, insistindo na pergunta, poderemos, sempre, esperar aquela mesma resposta inicial: “eu sou Jota Silva”.
Claro que jamais alguém faria uma experiência destas, a ética e a moral nunca permitiriam. Mas situações como estas podem acontecer na vida real, devido a acidentes ou a doenças, e realmente, todos sabem, costumam acontecer. No caso de fratura de vértebra cervical, havendo lesão da medula cervical, o sujeito torna-se quase que literalmente somente uma cabeça. Ainda que tenha integridade anatômica e fisiológica em seu corpo, do pescoço para baixo, esta parte corporal perde a conexão com o cérebro e seus centros de comandos motores e sensitivos. Isto significa que o sujeito fica sem a disponibilidade motora e sensitiva da parte do seu corpo do pescoço para baixo. Na prática isso conduz, quase literalmente, à hipotética situação acima do Jota Silva: sem seu corpo do pescoço para baixo.
Realmente, para o sujeito nestas condições, podemos pensar, não faria diferença alguma, para os fins do raciocínio que estamos desenvolvendo, que seu corpo do pescoço para baixo estivesse totalmente desconectado de sua cabeça e conservado numa geladeira. Pelo menos, enquanto ele não tivesse essa informação, podemos pensar que não faria diferença. Uma vez o sujeito de posse da informação, a diferença se faria presente, pois, por mais triste e lamentável que possa ser, todos sabemos, os meios de comunicação não permitem que não saibamos – que, por mais que abominemos pensar na idéia, isso poderá, um dia, acontecer com qualquer um de nós. Agora, apenas uma cabeça, uma cabeça dando entrevista na televisão, isto ninguém ainda viu, e esta idéia é chocante e inusitada. Assim, faria diferença, sim, nossa hipotética cabeça do Jota Silva ter ou não conhecimento de ser somente uma cabeça.
A literatura histórica registra, a este respeito, um fato interessante: teria ocorrido durante a revolução francesa com um condenado à morte na guilhotina: após a execução, a cabeça, recém caída no chão, teria conseguido articular “sou inocente”. Isto é, o sujeito, tendo tão somente a cabeça, ainda teria existido, com vida, por alguns segundos. Não sabemos se este registro literário é verídico, pensemos que sim, pelo menos para efeito de raciocínio, já que o conhecimento médico atual nos autoriza a pensar que sim, pode ter sido real.
Isto nos mostra, é o ponto aonde queremos chegar – e ressaltar, que a sede da identidade humana está na cabeça e não em outra parte do corpo. Claro que isso já é sabido e resabido e ninguém disso duvida. Estamos colocando a questão desta forma para compreendermos com mais precisão a questão da identidade, e com isto também a questão da identidade sexual. Quem pode proclamar, “sou inocente”, senão o sujeito? Da mesma forma, quem pode proclamar: “sou homem” ou “sou mulher”, senão o sujeito? Não podemos perceber claramente que a questão da identidade do sujeito, tanto como humano, como quanto um humano sexuado (homem ou mulher), está na cabeça, e não em outra parte do corpo, seja coração, pulmões, barriga, útero, próstata ou pênis ou vagina?
Que fantástico! A identidade sexual do ser humano não está em seus órgãos genitais, ou em ter seios ou não, ou nos quadris arredondados ou mais retilíneos; enfim, não está na anatomia corporal do pescoço para baixo! Mas isto é óbvio, estarão pensando, provavelmente, muitos leitores. Sim, concordamos e reconcordamos: é óbvio que é óbvio. E é exatamente este o problema, porque temos uma estranha capacidade (ou talvez incapacidade), para, às vezes, não percebermos aquilo que é óbvio demais.
Desta forma cercada a questão, fica mais fácil prosseguirmos: na cabeça, sim, mas em que parte? De novo entra em cena o dedo do óbvio, a nos apontar para o cérebro. Mas então, se nossa identidade humana sexual está no cérebro, isso não implica em termos cérebros diferentes para homens e mulheres, isto é, cérebros femininos e cérebros masculinos? O óbvio também fala, e nos diz que sim. Mas quanto tempo levou a ciência para admitir isso, e como esperneou antes de fazê-lo! Mas admitiu, ou está admitindo, pois é aqui, precisamente, que chegaram as pesquisas mais recentes em neurociências, para desgosto de algumas correntes ideológicas, ditas feministas, que querem mudar a biologia pretendendo que homens e mulheres são iguais, e portanto, não podem não ter cérebros iguais. Pois os cérebros não são iguais, nunca foram nem nunca serão, não podemos mudar a biologia, por mais que possamos acalentar esta vontade. É simples: ideologias não mudam fatos da natureza.
As descobertas das neurociências apontam, em perfeita sintonia com o dedo do óbvio, para diferenças anatômicas e funcionais entre os cérebros masculino e feminino. Já é possível hoje, graças ao apoio das mais recentes pesquisas científicas, falar da existência de cérebros masculino e feminino sem risco de ser ridicularizado. Mas o progresso científico ainda não chegou às ruas do dia-a-dia, e assim, como a vida cotidiana se desenrola fora dos meios acadêmicos, e em relação a estes sempre com algum atraso, ainda usamos a anatomia genital para definirmos o sexo de nossas crianças logo após o nascimento, num comportamento dissociado da atual realidade científica.
Claro que levará um tempo para que a sociedade aceite e possa criar procedimentos que permitam a incorporação, na rotina diária para registro do sexo dos recém-nascidos, de uma mudança deste calibre. Nem poderíamos esperar que fosse diferente. Mas talvez seja chegada a hora de a sociedade não mais se espantar, quando um suposto homem ou uma suposta mulher, dizem que seu corpo está errado, que eles (supostos eles) não são homens e sim mulheres, que elas (supostas elas) dizem que não são mulheres e sim homens. Estamos diante da “cabeça falante”, sede do cérebro, moradia eterna da identidade, sexual e não sexual, do sujeito humano, da essência do homo sapiens.
É com esta temática que iniciamos este trabalho, cujo objetivo é entendermos por quê algumas pessoas nascem com um cérebro masculino e um corpo feminino, ou vice versa, isto é, quais são as vicissitudes desenvolvimentais responsáveis por esta aparente “loucura” da natureza, e quais são suas determinantes causais últimas.